Cancel Culture e a Morte da Criatividade
- Pedro Paupério
- 22 de out. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de dez. de 2024
Vivemos numa era onde as palavras pesam mais que nunca, mas não necessariamente pelo seu conteúdo, e sim pelo risco que carregam. A "Cancel Culture" tornou-se o espectro que assombra qualquer criador, artista ou pensador que ousa ir além das fronteiras do aceitável. Em teoria, deveria ser um sistema de responsabilização, mas na prática tornou-se o inimigo da criatividade e da liberdade de expressão.
Hoje, qualquer gesto ou palavra pode ser interpretado como ofensivo. Se antes o humor e a arte serviam como válvulas de escape, agora são arenas de julgamento público. E neste tribunal virtual, não há júri imparcial – há multidões com tochas digitais prontas para reduzir a cinzas qualquer tentativa de inovação. Como criar algo genuinamente novo, quando cada passo é um potencial desastre? O medo sufoca, e o medo é o maior inimigo da criatividade.
O filme “South Park: Joining the Panderverse” aborda este tema com a irreverência que só Trey Parker e Matt Stone sabem oferecer. A sátira aponta o dedo para uma indústria que parece mais preocupada em agradar a todos – ou melhor, em evitar desagradar a qualquer grupo – do que em criar narrativas ousadas e significativas. É uma chamada de atenção para um fenómeno evidente: as produções artísticas estão a tornar-se reféns do politicamente correto.
Vejamos os exemplos da Disney, que, em busca de inclusão, tem alterado histórias clássicas para integrar outras culturas. Mas a inclusão que parte de uma obrigação, e não de uma inspiração genuína, é facilmente reconhecida pelo público. Não se trata de rejeitar diversidade – trata-se de evitar que ela pareça um remendo forçado. “Ghostbusters: Answer the Call” e “Ocean's 8” são dois exemplos claros de como uma abordagem mal calibrada pode alienar audiências. Ambos trocaram o elenco clássico por mulheres, mas não por necessidade narrativa ou criativa. A ideia de que basta trocar homens por mulheres para agradar um público mais “woke” revelou-se uma estratégia pobre. Inclusão não é colocar mulheres ou minorias porque sim; é dar-lhes espaço em histórias fortes, que não pareçam apenas caixas a serem assinaladas.
E depois há o humor. O eterno debate sobre os limites do riso é o reflexo mais claro de como estamos presos num loop cultural. Há piadas que ofendem, sim. Mas o humor, como arte, precisa dessa liberdade para existir. Não é obrigatório rir de tudo, mas é essencial permitir que tudo possa ser motivo de riso. Ao estabelecer limites, matamos a essência do humor: a subversão. A sociedade não tem o direito de exigir risos que venham sempre com um manual de instruções.
A cultura woke, em essência, começou com boas intenções – promover igualdade e respeito. Mas, ao longo do caminho, tornou-se uma máquina de destruição de individualidades e narrativas autênticas. Tudo é reduzido a mensagens, a lições de moral, a panfletos sociais. Quem ousa escapar à norma é rotulado de insensível ou retrógrado.
Por tudo isto, é crucial que nos questionemos: onde está a linha entre a inclusão real e o marketing oportunista? Entre a responsabilidade e a censura? O medo de ser cancelado não é apenas o medo de perder uma carreira ou uma reputação; é o medo de pensar diferente. Sem liberdade para falhar, para ofender ou para errar, deixamos de inovar. E sem inovação, ficamos presos num mundo estéril, onde a criatividade é apenas uma sombra do que poderia ser.
A Cancel Culture prometeu justiça, mas trouxe conformismo. E o conformismo nunca foi o berço de grandes ideias.
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